Ela gritava.
Estava gritando de forma que nem mesmo na sua infância fazia em meio as suas pirraças. Usava todo o seu poderio vocálico e esgotando o ar de seus pulmões.
Os vizinhos estavam preocupados; “Será que estão matando a garota?” ; “Será que está acontecendo alguma coisa?” diziam eles. “Deve ser para aparecer ou frescura de mulher porque viu alguma barata!” dizia outro.
Alguém adivinhou. Ela não tinha visto nenhum fantasma ou inseto nojento, ninguém a atacava ou a machucava, estava sozinha. Mas queria aparecer. Sair da existência invisível, pela primeira vez tirar o semblante simpático e o sorriso receptivo, pois na verdade estava transbordando e tentava fazer com que ninguém visse. Afinal, era feio parecer emocionalmente desequilibrada, ninguém gostava de ver as emoções dos outros – talvez porque despertasse as suas próprias – era muito mais fácil se acostumar a mostrar tudo normal e equilibrado, mesmo que não estivesse, do que mostrar a verdade. Ninguém tinha permissão de se desequilibrar.
Mas ela não aguentava mais a estabilidade (a aparente estabilidade), estava exaustivo se mostrar feliz, quando não estava, estava insatisfeita de muitas maneiras e mudar isso, parecia quase um insulto ao mundo, pois, tudo estava perfeito, não se tem o direito de contestar a perfeição. Mas isso tinha seu fim, e o primeiro passo era o grito, mostrar todo o seu desequilíbrio e extravasar tudo o que sentia. A garganta ardia, o ar estava escasso já, e sentia uma provável rouquidão e quando realmente sentiu que já não podia mais gritar, parou. Terminou e começou, pensou consigo. Quando se olhou no espelho, estava com o rosto corado e ao falar, sua voz tinha praticamente sumido, riu disso. Não via mais um espectro no espelho, agora via a si mesma.