quarta-feira, 8 de junho de 2011

Invisibilidade

Ela gritava.
Estava gritando de forma que nem mesmo na sua infância fazia em meio as suas pirraças. Usava todo o seu poderio vocálico e esgotando o ar de seus pulmões.
Os vizinhos estavam preocupados; “Será que estão matando a garota?” ; “Será que está acontecendo alguma coisa?” diziam eles. “Deve ser para aparecer ou frescura de mulher porque viu alguma barata!” dizia outro.
Alguém adivinhou. Ela não tinha visto nenhum fantasma ou inseto nojento, ninguém a atacava ou a machucava, estava sozinha. Mas queria aparecer. Sair da existência invisível, pela primeira vez tirar o semblante simpático e o sorriso receptivo, pois na verdade estava transbordando e tentava fazer com que ninguém visse. Afinal, era feio parecer emocionalmente desequilibrada, ninguém gostava de ver as emoções dos outros – talvez porque despertasse as suas próprias – era muito mais fácil se acostumar a mostrar tudo normal e equilibrado, mesmo que não estivesse, do que mostrar a verdade. Ninguém tinha permissão de se desequilibrar.
Mas ela não aguentava mais a estabilidade (a aparente estabilidade), estava exaustivo se mostrar feliz, quando não estava, estava insatisfeita de muitas maneiras e mudar isso, parecia quase um insulto ao mundo, pois, tudo estava perfeito, não se tem o direito de contestar a perfeição. Mas isso tinha seu fim, e o primeiro passo era o grito, mostrar todo o seu desequilíbrio e extravasar tudo o que sentia. A garganta ardia, o ar estava escasso já, e sentia uma provável rouquidão e quando realmente sentiu que já não podia mais gritar, parou. Terminou e começou, pensou consigo. Quando se olhou no espelho, estava com o rosto corado e ao falar, sua voz tinha praticamente sumido, riu disso. Não via mais um espectro no espelho, agora via a si mesma.              

domingo, 29 de maio de 2011

Sorria


Sorria.
Não porque todos te exigem um sorriso, porque a maioria somente quer ver o sorriso de outro, por preguiça. Porque não sorrir, exige que se pergunte “por que?” ; e as pessoas têm preguiça de ouvir.
Sorria.
Sem usar como estampa, para mostrar o que acham bonito.
Sorria.
Pela simples vontade, pelo movimento involuntário do rosto, por ter visto, ouvido ou talvez até mesmo ter achado a si mesmo engraçado.   

domingo, 8 de maio de 2011

A briga necessária.

O Sonho e a Realidade discutiam em um bar. A briga era séria, atraía os olhares de todos. Nenhum dos dois queria ceder, cada um fincado em seus conceitos.

- Eu quero, eu posso, eu consigo! – disse o Sonho com rispidez.
- Para de ser idiota! Claro que não pode. – disse a Realidade com desdém.
- Você é um cético, não acredita em nada. – bradou o Sonho.
- Sou baseado na verdade. – disse a Realidade batendo a mão com a mesa.
- E eu sou baseado na vontade! – disse o Sonho socando a mesa com mais força.
- Você é um estúpido emocional, fica aí, devaneando em vez de se situar nos fatos, nas coisas como realmente são.
- Melhor do que ser enclausurado por fronteiras, eu tenho a capacidade de transpor limites, diferente de você que fica parado aí! ... Diz aí então... O que você faz além do esperado.
- E quem disse que você chega a algum lugar! – disse a Realidade enraivecida.
- Porque você atrapalha, fica impondo seus limites, fazendo parecer impossível o que pode ser possível!
- Eu só faço o meu trabalho! Você é um estúpido! – gritou a Realidade, levantando de sua cadeira e derrubando a mesa, fazendo o Sonho levantar da sua cadeira e encará-lo - Eu tenho a verdade, quanto a você... Bem, só o Sonho. – disse a Realidade, com um certo sarcasmo.
        
- Eu quero, eu posso, eu consigo, seu babaca! – disse o Sonho, em seguida dando um soco na Realidade.

A Realidade cambaleou para trás e saiu enfurecida do bar. O Sonho sentia-se triunfante, afinal nocautear a Realidade era o que ele mais precisava.




domingo, 24 de abril de 2011

O falso apagador

O Tempo, aquele que muitos julgam como o borracha ou lavador cerebral, que te fará esquecer e apagar tudo. Só que não esquecemos nada, só mudamos nossa perspectiva, o ângulo de visão. E o tempo não é nenhum cicatrizante, ele só ajuda - veja bem, ajuda, não mais que isso - até porque só cicatrizamos qualquer mágoa, quando passamos a querer a cicatrizá-la. Quando realmente queremos nos cuidar e descobrir maneiras de transformar a mágoa em apenas lembrança.
E o Tempo? Tempo, Tempo, Tempo, destruidor, monstro, ajudante... Apenas o Tempo.
Da mesma forma que ouvimos uma música e gostamos e depois de um tempo paramos de ouvi-la com tanta assiduidade. As nossas emoções deixam de ser ativas, para serem passivas, continua sua existência, mas sem influência, porque veridicamente, não esquecemos nada. O Tempo não apaga nada. Só temos a escolha de como usar o que temos conosco. Se nossas lembranças serão fatores construtivos ou fatores destrutivos

domingo, 17 de abril de 2011

A saga feminina


        Ao ler sobre as antigas rainhas da Europa que marcaram a história, lê-se sobre tanto sobre os seus atos que marcaram, quanto sobre as suas famas de castas ou voluptuosas, ambiciosas e até maquiavélicas.   
        Mas ao pensar nisso também temos que parabenizá-las, porque provavelmente, elas deveriam ter muito sangue frio para viver naquela realidade. Ao se imaginar aquela época e se imaginar no lugar delas, e pensar que eram noivadas aos doze, treze, e até mesmo aos dez anos (às vezes antes mesmo de nascer) sem ao menos conhecer ou perguntar se realmente queriam aquilo. Além disso, poderiam encontrar tanto noivos tão crianças quanto elas, como também um velho, ou um cara repugnante tanto em maneiras quanto na aparência. Eram treinadas desde a infância para parecerem castas, submissas, tranquilas, educadas, perante a sociedade, não importasse seu estado de espírito. Então só restava mesmo era ambicionar a posição de Rainha.
       E a situação foi mudando, movimentos feministas ascenderam, querendo enfim desassociar a idéia de somente papel procriador para a mulher. Até que finalmente veio a pílula anticoncepcional, que transformou essa ideia e a partir de então a situação vem mudando e cada vez mais se é discutido a evolução da participação feminina ativa no mundo, até mesmo em famílias é visto que a submissão não é mais um ideal difundido.
     Porém, temos degradação de alguns aspectos da evolução feminina, que dessa vez não se pode culpar somente os homens e sim também as próprias mulheres. Mesmo tendo mudado a imagem da mulher de apenas procriadora, agora se tem à ideia de objeto. Temos exemplos vivos aqui no Brasil, das tais “mulheres frutas”, entre outras, que transformam seu corpo, querendo atingir medidas incríveis de seios e bunda para mostrar todo o seu poderio sensual, fazendo homens tolos (a mídia também) a disseminarem aquilo como idéia de mulher “gostosa”, além também de outras mulheres a passarem adotar esse ideal.
Ainda se têm também, revistas que pagam muitas atrizes, cantoras, subcelebridades, modelos, entre outras a fazerem fotografias sensuais. Ainda para piorar, as fotografadas, muitas vezes afirmam ser arte, como se fosse artístico promover a diversão masculina nos banheiros.  
        Espera-se, com esperança de muitas que se forme uma nova revolução, que transforme e exclua a associação de objeto a mulher e seja visto a crescente participação feminina em universidades, política, mercado de trabalho, na mudança de caráter submisso e sim valorizando a autenticidade e originalidade de cada uma, sem padrões fúteis, aí sim, teremos alcançado os tão sonhados ideais feministas de épocas anteriores.   


   
                                                                         

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Escrever


Eu escrevo sim. Não exijo plateia para os meus manuscritos, apenas quero extravasar o que borbulha na minha mente inquieta, que consegue produzir palavras em situações singelas. Porque pensamentos, explicações, palavras, simplesmente isso, transborda em mim e não consigo ficar em paz, pois, me incomoda a inércia de não pensar, de não sentir. Tenho a curiosidade de sentir o extremo, o exagero. Quero ter a coragem de investir em sonhos fantasiosos, que para muitos são vistos como inúteis.
Por ser uma sonhadora incurável, tenho a realidade como um desafio a ser enfrentado, os limites impostos são apenas algo a serem transpassados. Mesmo pensando assim, não sou ambiciosa, não quero a riqueza material, quero a riqueza de sentir meu coração bater e perceber a natureza ao meu redor, de viver coisas simples com intensidade.